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Progressão

Parte 1: Início da carreira

Nasceu em 1882 na cidade paulista de Taubaté, cursou Direito no Largo São Francisco, foi promotor em Areias/SP.

José Bento Monteiro Lobato nasceu em 18 de abril de 1882, na cidade de Taubaté/SP.

Durante sua infância, encontrou seu gosto pelos livros na biblioteca de seu avô, Visconde de Tremembé. Já na adolescência, começou a escrever para jornais escolares.

A contragosto, cursou Direito na Faculdade do Largo São Francisco, em São Paulo. Com o diploma nas mãos, Monteiro Lobato voltou para o interior, onde exerceu a promotoria em Areias/SP.

Casou-se com Maria Pureza em 28 de março de 1908, da união nasceram quatro filhos, Edgar, Guilherme, Marta e Rute. Após a morte de seu avô, herdou uma fazenda em Bulquira, para onde se transferiu com a família e se aventurou na vida de fazendeiro, fazendo investimentos em projetos agrícolas audaciosos, apesar das terras esgotadas pela lavoura do café.

Envolvido com o mundo rural, escreveu um artigo para o Estado de S. Paulo, denunciando as queimadas do Vale do Paraíba, “Velha Praga”, que foi publicado em novembro de 1914. Em 1918 redigiu “Urupês”, criando um de seus principais personagens, Jeca Tatu, um caipira preguiçoso, adepto da lei do menor esforço.

Velha Praga (publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 1914)

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Venha, pois, uma voz do sertão dizer às gentes da cidade que se lá fora o fogo da guerra lavra implacável, fogo não menos destruidor devasta nossas matas, com furor não menos germânico.

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Preocupa à nossa gente civilizada o conhecer em quanto fica na Europa por dia, em francos e cêntimos, um soldado em guerra; mas ninguém cuida de calcular os prejuízos de toda sorte advindos de uma assombrosa queima destas. As velhas camadas de humus destruídas; os sais preciosos que, breve, as enxurradas deitarão fora, rio abaixo, via oceano; o rejuvenescimento florestal do solo paralizado e retrogradado; a destruição das aves silvestres e o possível advento de pragas insetiformes; a alteração para piora do clima com a agravação crescente das secas; os vedos e aramados perdidos; o gado morto ou depreciado pela falta de pastos; as cento e uma particularidades que dizem respeito a esta ou aquela zona e, dentro delas, a esta ou aquela “situação” agrícola.
Isto, bem somado, daria algarismos de apavorar; infelizmente no Brasil subtrai-se; somar ninguém soma…

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A nossa montanha é vítima de um parasita, um piolho da terra, peculiar ao solo brasileiro como o “Argas” o é aos galinheiros ou o “Sarcoptes mutans” à perna das aves domésticas. Poderíamos, analogicamente, classificá-lo entre as variedades do “Porrigo decalvans”, o parasita do couro cabeludo produtor da “pelada”, pois que onde ele assiste  se vai despojando a terra de sua coma vegetal até cair em morna decrepitude, núa e descalvada. Em quatro anos, a mais ubertosa região se despe dos jequitibás magníficos e das perobeiras milenárias – seu orgulho e grandeza, para, em achincalhe crescente, cair em capoeira, passar desta à humildade da vassourinha e, descendo sempre, encruar definitivamente na desdita do sapezeiro – sua tortura e vergonha.
Este funesto parasita da terra é o CABOCLO, espécie de homem baldio, semi-nômade, inadaptável à civilização, mas que vive à beira dela na penumbra das zonas fronteiriças. À medida que o progresso vem chegando com a via férrea, o italiano, o arado, a valorização da propriedade, vai ele refugindo em silêncio, com o seu cachorro, o seu pilão, a picapau  e o isqueiro, de modo a sempre conservar-se fronteiriço, mudo e sorna. Encoscorado numa rotina de pedra, recua para não adaptar-se.

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Em três dias uma choça, que por eufemismo chamam casa, brota da terra como um urupê. Tiram tudo do lugar, os esteios, os caibros, as ripas, os barrotes, o cipó que os liga, o barro das paredes e a palha do teto.

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Quando se exaure a terra, o agregado muda de sítio. No lugar fica a tapera e o sapezeiro. Um ano que passe e só este atestará a sua estada ali; o mais se apaga como por encanto. A terra reabsorve os frágeis materiais da choça e, como nem sequer uma laranjeira ele plantou, nada mais lembra a passagem por ali do Manoel Peroba, do Chico Marimbondo, do Jeca Tatu ou outros sons ignaros, de dolorosa memória para a natureza circunvizinha.

Urupês (1918)

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O indianismo está de novo a deitar copa, de nome mudado. Crismou-se de “caboclismo”. O cocar de penas de arara passou a chapéu de palha rebatido á testa; a cára virou rancho de sapé; o tacape afilou criou gatilho, deitou ouvido e é hoje espingarda troxada, o boré descaiu lamentavelmente para pio de inambu; a tanga ascendeu a camisa aberta no peito.

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Quando Pedro I lança aos ecos o seu grito histórico e o país desperta estrouvinhado á crise duma mudança de novo, o cabloco ergue-se, espia e acocora-se de novo.

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A 15 de Novembro troca-se um trono vitalício pela cadeira quadrienal. O país bestifica-se ante o inopinado da mudança. O caboclo não dá pela coisa.

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Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!

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Seu grande cuidado é espremer todas as consequencias da lei do menor esforço – e nisso vai longe.
Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquímano. Mobília, nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta no chão batido.
Ás vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas – para os hospedes. Três pernas permitem equilíbrio; inútil, portanto, meter a quarta, o que ainda o obrigaria a nivelar o chão. Para que assentos, se a natureza os dotou de sólidos rachados calcanhares sobre os quais se sentam?

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Quando a palha do teto, apodrecia, greta em fendas por onde pinga a chuva, Jeca, em vez de remendar a tortura, limita-se, cada vez que chove, a aparar numa gamelinha a água gotejante…
Remendo… Para quê? Se uma casa dura dez anos e faltam “apenas” nove para que ele abandone aquela? Esta filosofia economiza reparos.

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O fato mais importante de sua vida é sem dúvida votar no governo. Tira nesse dia da arca a roupa preta do casamento, sarjão furadinho de traça e todo vincado de dobras; entala os pés num alentado sapatão de bezerro; ata ao pescoço um colarinho de bico e, sem gravata, ringindo e mancando, vai pegar o diploma de eleitor ás mãos do chefe Coisada, que lho retem para maior garantia da fidelidade partidária.
Vota. Não sabe em quem, mas vota.

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Doenças hajam que remédios não faltam.
Para bronquite, é um porrete cuspir o doente na boca de um peixe vivo e solta-lo: o mal se vai com o peixe água abaixo…

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Num parto difícil nada tão eficaz como engulir três caroços de feijão mouro, de passo que a parturiente veste pelo avesso a camisa do marido e põe na cabeça, também pelo avesso, o seu chapéu. Falhando esta simpatia, há um derradeiro recurso: colar o ventre encruado a imagem de S. Benedito.

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A ideia de Deus e dos santos torna-se jéco-centrica. São os santos graúdos lá de cima, os coronéis celestes, debruçados no azul para espreitar-lhes a vidinha e intervir nela ajudando-os ou castigando-os, como os metediços deuses de Homero.

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Daí o fatalismo. Se tudo movem cordéis lá de cima, para lutar, reagir? Deus quis. A maior catástrofe é recebida com esta exclamação, muito parentando “Allah Kébir” do beduíno.

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