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Parte 4: Sítio do Pica-Pau Amarelo

A criação do Sítio do Pica-Pau Amarelo

A reunião de 23 livros escritos por Monteiro Lobato, que contam as histórias de Dona Benta, Tia Nastácia, Narizinho, Pedrinho, Emília e Visconde de Sabugosa, formam sua mais importante obra, conhecida como O sítio do Pica-Pau Amarelo.

A palavra-chave para definir o Sítio é liberdade, pois nele não existem pais, adultos que impõem tarefas e reprimem atitudes, ou como Emília explica: “por isso acho que o único lugar do mundo onde há paz e felicidade é no sítio Dona Benta. Tudo aqui corre como um sonho. A criançada só cuida de duas coisas: brincar e aprender. As duas velhas só cuidam de nos ensinar o que sabem e de ver que tudo ande a hora e a tempo”.

O universo que ele cria é amplo demais, como o próprio Lobato diz: “ainda acabo fazendo livros onde as crianças possam morar, não ler e jogar fora”.

O trecho da mini-biografia de Monteiro Lobato publicada nas edições de O Sítio do Pica-Pau Amarelo, pela Editora Brasiliense, nos anos 70, explica, de maneira resumida, cada um dos personagens do Sítio:

“Através de Emília, diz tudo o que pensa; na figura do Visconde de Sabugosa, critica os sábios que só acreditam nos livros já escritos. Dona Benta é o adulto que aceita a aprende com a imaginação criadora das crianças, admitindo as novidades que vão modificando o mundo. Tia Nastácia é o adulto sem cultura que vê no desconhecido o mal e o pecado. Narizinho e Pedrinho são o eterno espírito infantil, abertos a tudo, desejando ser felizes, confrontando suas experiências com o que os mais velhos dizem e nunca deixando de acreditar no futuro”.

Personagens:

Monteiro Lobato desenvolveu 6 personagens fixos: Narizinho, Pedrinho, Dona Benta, Tia Nastácia, Visconde e Emília. Junto com esses personagens aparecem envolvidos nas aventuras os personagens ocasionais, são eles: Saci Pererê, Cuca, Lobisomem, Príncipe Escamado, Caramujo, Quindim, Rabicó, Besouro, Boitatá, Mula Sem Cabeça e Anjinho.

Emília

É uma boneca de pano feita pela Tia Nastácia, que começou a falar quando engoliu uma pílula feita pelo Dr. Caramujo e não parou mais. É muito independente e filósofa, ela acredita que “a verdade é uma espécie de mentira bem pregada das que ninguém desconfia”. Se comporta como a porta-voz do autor, sendo ela a personagem que faz as críticas salgadas à sociedade e expõe seu ponto de vista.

“Emília foi feita por tia Nastácia, com olhos de retrós preto e sobrancelhas tão lá em cima que é ver uma bruxa. Apesar disso Narizinho gosta muito dela; não almoça nem janta sem a ter ao lado, nem se deita sem primeiro acomodá-la numa redinha entre dois pés de cadeira”. (Apresentação da personagem no quarto parágrafo do livro Reinações de Narizinho).
“Emília engoliu a pílula, muito bem engolida, e começou a falar no mesmo instante. A primeira coisa que disse foi: ‘Estou com um horrível gosto de sapo na boca!’ E falou, falou, falou mais de uma hora sem parar. Falou tanto que Narizinho, atordoada, disse ao doutor que era melhor fazê-la vomitar aquela pílula e engolir outra mais fraca”.
Ela é a única personagem de Monteiro Lobato que tem uma evolução, sendo a mais importante personagem de Lobato. Age como um protótipo de super-homem e representa os desmandos do capitalismo. Com sua vontade de domínio e exacerbado individualismo, é obstinada em conseguir o que quer e manter seu ponto de vista. Suas características mais marcantes são seu espírito de liderança e curiosidade aberta.

Por ser boneca, e não gente, pode apresentar todos os pecados infantis como: mal criação, egoísmo infantil, rebeldia, birra, teimosia, interesse e certa maldade ingênua.

Dona Benta

É uma senhora com uns 60 anos de idade, dona do Sítio do Pica-Pau Amarelo, onde mora com a Tia Nastácia e sua neta Lúcia (ou Narizinho). O outro neto, Pedrinho, adora passar suas férias no Sítio, um lugar onde acontecem coisas incríveis. Dona Benta é também uma grande mestra na geografia.

Ela é uma avó inteligente e educadora, mas deixa que as crianças cheguem sozinhas ao final do raciocínio, incentivando a curiosidade.

“Numa casinha branca, lá no Sítio do Pica-Pau Amarelo, mora uma velha de mais de sessenta anos. Chama-se Dona Benta. Quem passa pela estrada e a vê na varanda, de cestinha de costura ao colo e óculos de ouro na ponta do nariz, segue seu caminho pensando:
– Que tristeza viver assim tão sozinha neste deserto…” (Apresentação da personagem no primeiro parágrafo do livro Reinações de Narizinho).

Visconde de Sabugosa

Criado pela Tia Nastácia, é feito de um sabugo de milho e , por isso, morre de medo de passar perto do galinheiro. Uma vez pegou bolor e morreu, mas Emília guardou o sabugo e Tia Nastácia fez outro.

Ele é muito inteligente, um verdadeiro sábio, mas vive sendo escravizado por Emília, que não respeita sua sapiência, fidelidade e nobreza.

Tia Nastácia

É a cozinheira do Sítio e uma grande contadora de histórias. Ela vive se benzendo: “Credo! O mundo está perdido!”. Representando uma pessoa simplória e cheia de crenças populares.

“Tia Nastácia é o povo. Tudo que o povo sabe e vai contando de um pra outro ela deve saber”.

Narizinho

Lúcia, neta de Dona Benta, mora no Sítio do Pica-Pau Amarelo. Todos a chamam de Narizinho por causa de seu nariz arrebitado.
“Dona Benta é a mais feliz das vovós, porque vive em companhia da mais encantadora das netas – Lúcia, a menina do Narizinho arrebitado, ou Narizinho como todos dizem. Narizinho tem sete anos, é morena como jambo, gosta muito de pipoca e já sabe fazer uns bolinhos de polvilho bem gostosos”. (Apresentação da personagem no terceiro parágrafo do livro Reinações de Narizinho)

Pedrinho

É o neto de Dona Benta e primo de Narizinho, tem 10 anos de idade. Mora e estuda na cidade, mas, nas férias, adora passear no Sítio de sua avó.

É um menino muito corajoso, pois foi o único que conseguiu pegar o Saci e conhecer os mistérios da floresta.

“Pedrinho não podia compreender férias passadas em outro lugar que não fosse no Sítio do Picapau Amarelo”.

Pedrinho e Narizinho apresentam comportamentos considerados positivos pela sociedade (curiosidade, companheirismo, inteligência) ou valorizados por Lobato (senso crítico, coragem e arrojo). Mas é retirado deles o potencial negativo que também faz parte da criança. E que, se os netos de Dona Benta não têm esses “defeitos” comuns a todas as crianças, quem os têm é Emília. (Márcia Kupstas, Monteiro Lobato)

Nos anos 70 o Sítio do Pica-Pau Amarelo foi à televisão, fato que popularizou ainda mais os trabalhos de Monteiro Lobato.

O casamento da Emília

Durou uma semana o noivado de Emília. Todas as tardes, trazido à força por Pedrinho, aparecia o Marquês de Rabicó para visitar a noiva, e tinha de ficar meia hora na sala, contando casos e dizendo palavras de amor.

Mas apesar de noivo Rabicó não perdia os seus instintos. Logo que entrava punha-se a farejar a sala, na sua eterna preocupação de descobrir coisas de comer. Além disso não prestava a menor atenção à conversa. Não havia nascido para aquelas cerimônias.

Uma tarde Pedrinho zangou-se e resolveu substituí-lo por um representante.

(…)

– Está aqui. De agora em diante o noivo será representado por este vidro azul, e o tal Marquês de Rabicó vai passear – concluiu pregando um pontapé no noivo.

(…)

Emília comportava-se muito bem embora de vez em quando viesse com impertinências.

Narizinho bateu o pé e franziu a testa.

– Emília, tenha modos! Não é assim que se trata um poeta. Você vai ser marquesa, vai viver em salões e precisa saber fingir, ouviu?

Depois, voltando-se para o representante:

– Peço-lhe mil desculpas, senhor Vidro Azul! Emília tem mania de ser franca. Nunca viveu em sociedade e ainda não sabe mentir. Não é aqui como o nosso Visconde de Sabugosa, que fala, fala e ninguém sabe nunca o que ele realmente está pensando, não é verdade?

(…)

Chegou a hora. Vieram vindo os noivos. Emília, de vestido branco e véu; Rabicó, de cartola e faixa de seda em torno do pescoço. Vinha muito sério, mas assim que se aproximou da mesa e sentiu o cheiro das cocadas, ficou de água na boca, assanhadíssimo. Não viu mais nada.

(…)

Foi um desastre. A festa desorganizou-se e Emília chorou e esperneou de raiva.

– É isso! Eu bem que não estava querendo casar com Rabicó! É um tipo muito ordinário, que não sabe respeitar uma esposa.

(…)

Narizinho ainda tentou convence-la de que Rabicó era realmente príncipe e Pedrinho só dissera aquilo porque estava danado. Não houve meio. Quando Emília desconfiava, era para toda a vida. E desse modo ficou casada com Rabicó, mas dele separada para sempre.

(…)

Narizinho dava-lhe esperanças.

– Tudo se arruma. Um dia ele morre e eu caso você com o Visconde ou outro qualquer.

ESPECIAL MONTEIRO LOBATO

Parte 1: Início da Carreira
Obras: Velha Praga / Urupês
Parte 2: Editor e Jornalista
Artigo: Paranóia ou mistificação?
Parte 3: Escritor Infantil
Obra: Reinações de Narizinho
Parte 4: Sítio do Pica-Pau Amarelo
Obra: O casamento da Emília
Parte 5: fim da vida
Obra: Zé Brasil
Parte 6: Um país se faz com homens e livros
Conclusão
Confira as fotos do Sítio do Pica-Pau Amarelo em nossa galeria.

Bibliografia